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sábado, 11 de junho de 2011

Brincadeira de criança


Existe uma comunidade do espírito.
Junte-se a ela, e sinta o deleite
de andar pela rua barulhenta,
e ser o barulho.

Beba toda a sua paixão,
e falhe em tudo.

Feche ambos os olhos,
para enxergar com o outro olho.

Beba da presença de santos,
e não daqueles outros jarros.

Abra suas mãos,
se quiser que te segurem.

Sente-se neste círculo.

Pare de agir como um lobo, e sinta
o amor do pastor a te preencher.

Pela noite, o teu amado vagueia.
Não aceite consolações.

Feche sua boca contra comida.
Saboreie a boca do amante na sua.

Você lamenta, “Ela me deixou.” “Ele me deixou.”
Vinte outros virão.

Esvazie-se de preocupações.
Pense em quem criou o pensamento!

Por que você permanece na prisão
quando a porta está tão escancarada?

Saia do emaranhamento dos pensamentos medrosos.
Viva em silêncio.

Flua para cima, cada vez mais alto
em sempre crescentes anéis de existência.

Mas não vagueie afora pelas ruas
em seu êxtase. Durma na taverna.

Beba do vinho que te liberta o coração
assim como um camelo se liberta quando desamarrado,
e passeia livre sem destino.

Qualquer vinho te deixará bêbado.
Discirna como um rei, e escolha o mais puro,

aquele inalterado pelo medo,
ou por alguma urgência sobre "o que é necessário."

Bêbados têm medo da polícia,
mas a polícia está bêbada também.

Esta embriaguez começou em alguma outra taverna.
Quando eu voltar lá novamente,
vou ficar completamente sóbrio. Enquanto isso,
sou como um pássaro de outro continente, sentado neste aviário.
Aproxima-se o dia em que voarei,
mas quem é que agora em meu ouvido ouve a minha voz?
Quem é que pronuncia palavras com a minha boca?

Quem é que olha através de meus olhos? E o que é a alma?
Não posso parar de questionar.
Se pudesse provar um só gole da resposta,
poderia fugir desta prisão para bêbados.
Quem quer que me trouxe aqui vai ter que me levar para casa.

Pois quando um bêbado perambula pelas ruas,
as crianças riem dele.

Ele cai na lama.
Ele toma toda e qualquer estrada.

As crianças o seguem,
sem conhecer o gosto do vinho, ou a
sensação de sua embriaguez. Todas as pessoas no planeta
são crianças, exceto algumas bem poucas.
Ninguém é adulto exceto aqueles livres de desejo.

Deus disse:
"O mundo é uma grande brincadeira, uma brincadeira de crianças,
e vocês são as crianças."

Deus diz a verdade.
Se você ainda não deixou a brincadeira infantil,
como podes ser um adulto?

Sem pureza de espírito,
se você ainda está em meio a luxúria e a ganância
e outros quereres, você é como uma criança
brincando de fazer sexo.

Elas lutam e se esfregam grudadas, mas não é sexo!

O mesmo com as lutas da humanidade.
É uma disputa com espadas de brinquedo.
Sem propósito, totalmente fútil.

Como crianças em cavalinhos-de-pau, soldados proclamam cavalgar
Boraq, o cavalo-da-noite de Maomé, ou Duldul, sua mula.

Suas ações não significam nada, o sexo e a guerra que vocês fazem.
Vocês estão segurando parte de suas calças e correndo em círculos,
Dun-da-dun, dun-da-dun.

Não espere sua morte para então enxergar isto.
Reconheça que sua imaginação e seus pensamentos
e seus sentidos são como bambus
que as crianças cortam e fingem serem cavalos.

O conhecimento dos amantes místicos é diferente disto.

O empírico, o sensorial, as ciências
são como um asno carregado de livros,
ou como a maquiagem de uma mulher maquiada.
Sai com água.

Mas se você carregar a bagagem corretamente, irá propiciar alegria.
Não carregue sua bagagem de conhecimentos por alguma razão egoísta.
Rejeite seus desejos e suas obstinações,
e uma verdadeira montaria surgirá sob você.



Não fique satisfeito com o nome de HU,
com apenas palavras a respeito dele.

Experimente tal respiração.

Dos livros e das palavras surge a fantasia,
e as vezes,
algumas poucas vezes
da fantasia surge a União.

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O texto acima é uma tradução e adaptação minha de versos do grande mestre sufi Rumi, encontradas nas primeiras páginas do livro "The Essencial Rumi", de Coleman Barks.