Eram 7 da manhã e o moderno aeroporto de Dubai estava um tanto fotográfico, com gente de todos os tipos - todas as raças, países, religiões e vestimentas - dormindo por todos os cantos dos terminais, fazendo da minha apertada conexão uma corrida com obstáculos, onde você ainda tem que tirar e pôr os sapatos e o cinto para passar pela segurança. Entre a mesma névoa que pousei, levantei voo.
A névoa me acompanhou durante as 4 horas de voo, quando tive minha primeira visão de meu destino: muito verde, rios e morros envolvendo favelas de uma grande cidade - algo parecido com aterrizar em Salvador. Ao pousar, peço a benção e proteção de Brahma, Vishnu e Shiva - e Shakti, Ganesh, Krishna e Kali.
Saio do aeroporto e sinto novamente o cheiro da Ásia, escolho o auto-rickshaw mais colorido e fico feliz em barganhar o preço da corrida. Minha primeira impressão de Mumbai é ótima: ignoro o caos e a miséria já visíveis e concentro-me nas cores, nos cheiros e nos tantos sorrisos retribuídos em meio a um congestionamento parecido com o da Marginal Tietê em saída de feriado, mas com bem mais infrações de trânsito e vacas.
Após duas horas chego no templo de Swaminarayan no bairro de Breach Candy, onde vou ficar hospedado. Um indiano que passava pela calçada me pega pelo braço e me leva até o começo da escadaria, onde tiro meus sapatos. Dentro do templo, um swami me oferece prasad.
Swami, que literalmente significa "conhecedor de si mesmo", é um título dado a pessoas que se dedicam ao aprendizado de um guru ou de uma tradição espiritual e prasad é geralmente um doce abençoado por um guru ou uma deidade.
Nem o indiano nem o swami falam inglês e demoro mais uma hora até encontrar meu quarto. Durante a tarde ando pelos arredores do bairro, faço meu celular orgonisado funcionar na Índia e volto ao templo para conhecer melhor quem foi Swaminarayan.
Swaminarayan foi um dos mais conhecidos santos hindus, tendo vivido entre 1781 e 1830. Quando perdeu os pais aos 11 anos de idade, ele iniciou uma peregrinação de 7 anos através de todo o sub-continente indiano, vestido apenas com um tapa-sexo. Nesses anos realizou diversos milagres, permanecendo durante todo um rigoroso inverno no topo dos Himalayas, na mesma posição: com um pé e um braço levantados, e sem maiores vestimentas ou comida.
Tenho aqui meu primeiro testemunho de um caso de um ser humano que quebrou as normas do que nos é geralmente vendido - de que não conseguimos sobreviver sem água ou comida, ou que não podemos controlar a temperatura de nossos próprios corpos. E não se trata da lendária vida de um personagem que viveu a milhares de anos atrás, da qual há poucas evidências ou documentos: a vida de Swaminarayan é tão bem documentada quanto a vida de Mozart ou a de Dom Pedro I.

Acima, uma pintura de Swaminarayan.
Apesar deste homem santo ter provado de que também é possível para seres humanos sobreviverem sem dormir, de que nossos corpos podem funcionar de diferentes modos de acordo com a respectiva consciência que faz uso deles, eu ainda não dominei a técnica de recarregar minha energia vital conscientemente através da meditação e as longas horas da viagem finalmente me arrastam para a cama.
Acordo com o cantar dos monges, saio as ruas, viro a esquina e chego a um prédio onde todas as manhãs acontece um encontro com um dos mais fascinantes mestres do sub-continente, um mestre que oferece um oásis de paz e luz no meio do caos da cidade mais industrializada e cosmopolita da Índia. O porteiro do prédio é muito simpático e me avisa que só podemos entrar meia hora antes do satsang, então procuro um café da manhã onde como minha primeira halwa indiana e volto no horário apropriado.
Subo no antigo elevador que toca uma inusitada lambada instrumental para me alertar sobre a porta aberta e ao tirar os sapatos antes mesmo de entrar no apartamento, sinto o brilho de Ramesh Balsekar. O brilho é o segundo dos três aspectos que podem ser usados para dividir e melhor compreender a atuação de grandes mestres.
E instantaneamente o brilho de Ramesh me remete a 3 anos atrás, onde o motivo desta visita começou:
FLASHBACK -- EXT . LONDRES - DIA
Saio do metrô de Marble Arch (afinal estamos aqui a dois meses antes dos atentados no metrô de Londres) e ando pelas ruas frias, vazias e semi molhadas de Marylebone a procura de um apartamento que o Simon me indicou. O dia está cinza como nunca e eu chego despretensiosamente a um prédio marrom com elevadores modernos, corredores limpos e uma porta preta. Ao abri-la sou recepcionado por uma educada mulher oriental que me pede para tirar os sapatos antes de me conduzir a sala adjacente.
Ao entrar nesta sala, de repente sou invadido por uma energia tão forte quanto a criada pela comunidade de Findhorn em suas meditações comunitárias - o ar desta sala é quase líquido, tão denso quanto ao da oca de meditação de Figueira, porém a fonte que emana tal brilho aqui é um único homem, e ele está vestido de preto dos pés a cabeça em meio a outras 10 pessoas. Surpreendido por tamanha energia inesperada, sento-me ao lado da janela na esperança de colocar a cabeça para fora e sobreviver, caso meus pulmões comecem a se afogar.
Maitreya pede para todos se sentarem e o satsang começa. Nos primeiros minutos nem consigo processar as palavras que chegam aos meus ouvidos: eles também estão ainda ajustando a pressão, adaptando-se a esta pequena conjuntura de espiritualidade numa modernidade líquida. Percebo que a maioria das pessoas ali estão como eu num semi-transe, transbordando com este maior exemplo de brilho que eu já tive a oportunidade de presenciar. Aos poucos, consigo estabilizar a respiração e começo a digerir e compreender as palavras.
Maitreya nos explica como seu sistema nervoso teve que ser restruturado durante seu processo de iluminação, para que pudesse suportar tamanho fluxo de energia. Eu quase consigo formular uma pergunta sobre tal restruturação, mas meus pensamentos são neutralizados assim que se formam e consigo apenas focar em guardar esta experiência em nossa memória coletiva e divina - como se precisássemos fazer algo para que isso aconteça - para ser melhor analisada quando meu corpo não estiver mais sob esta intensa força anestesiante.
Ele nos explica também a situação de sua atual existência como uma extraordinária e direta testemunha de Deus, literalmente: desde sua iluminação ele conscientemente testemunha Deus mover seus braços e suas pernas, falar através de sua boca e escrever através de suas mãos, sem que ele precise fazer nenhum esforço para que essas ações aconteçam. Exatamente como no filme 'Quero ser John Malkovich' - que aliás é um tremendo de um filme que precisa ser visto (e temos aqui mais um exemplo da ficção imitando a realidade), mas sem o surreal sétimo e meio andar ou a doida e descabelada Lotte.

Acima, Maitreya Ishwara.
Ele nos conta como a partir deste surpreendente ponto de vista, apenas testemunhou o fluxo divino fazer recentemente sua mudança da Nova Zelândia para Londres, sem que soubesse ainda o motivo de sua nova residência na Europa - o que exatamente iria fazer ou por quanto tempo exatamente iria ficar.
Meu falso ego não demora em ganhar espaço e estranhar, julgar e rotular tal relato como um tanto bizarro, mas eu não havia ainda visitado Ramesh Balsekar:
INT . MUMBAI - DIA
Entro no apartamento e um assistente me recebe com muita atenção, insistindo que eu me sente bem na frente de Ramesh, por ser minha primeira visita. Aceito, afinal tenho mesmo algumas perguntas para este estimado mestre. Mais umas 20 pessoas chegam, inclusive uma mulher americana, que por também se tratar de sua primeira vez, senta-se ao meu lado.
Ramesh entra na sala e percebo seu brilho com mais força, apesar de ser muito mais sutil se comparado ao de Maitreya. Segue-se o costume de mulheres primeiro, então permaneço absorvendo o brilho e descartando algumas perguntas, ao serem indiretamente respondidas pelas questões da americana.
Ramesh nos explica que o problema de se procurar a iluminação é que não existe ninguém que precise se iluminar. O ego é apenas uma ilusão e atrás dele está Deus em carne e osso, dentro de cada um de nós. Tudo o que podemos fazer, a tal da iluminação, é apenas o que aconteceu a Maitreya: adquirir consciência de que quem vive nossas vidas, quem move nossos corpos e pensa nossos pensamentos, é na realidade Deus.
A existência não passa de uma enorme brincadeira da suprema consciência que anseia em conscientizar-se de si mesma. O filme sempre esteve pronto dentro da lata - rolos de filmes projetados em cinemas vêm dentro de latas - e todos nós dividimos o mesmo propósito: acordar para esta verdade. E a melhor maneira para acordarmos é simples: amar-nos uns aos outros. Este não é um ensinamento original - Jesus sempre focou neste ponto - mas a maneira como Ramesh chegou a esta conclusão através da mente ao longo de mais de 30 anos de raciocínio contínuo é extremamente emocionante: vale a pena atravessar oceanos para sentar em sua sala de estar durante toda uma manhã e ouvir esta tão maravilhosa estória.

Acima, Ramesh Balsekar.
Pergunto a este mestre se a existência ocorre em ciclos e se é possível estarmos chegando ao final de um grande ciclo, o momento mais interessante de toda a recente história humana. Imerso em uma profunda paz e alegria de quem vivenciou uma das mais profundas verdades de nossas vidas, ele sorri e me responde: Quem pode ter certeza? Quem se importa?
Passo uma semana em Mumbai indo a casa de Ramesh todas as manhãs, e começo a ficar tão encantado com seu brilho e também com o caótico charme das ruas e pessoas, que já surge em meus pensamentos todo um planejamento da minha futura vida nesta cidade. Mas o fluxo não nos empurra pela metade, e eu logo testemunho meu corpo entrando numa agência de viagens e comprando uma outra passagem para o dia seguinte: eu precisava chegar a tempo de uma comemoração muito especial.
O website de Maitreya Ishwara é: http://www.ishwara.com/
O website de Ramesh Balsekar é: http://www.rameshbalsekar.com/
"Eu vivo o meu dia a dia como se tivesse livre-arbítrio, mas sempre consciente de que na verdade não sou eu quem vive a minha vida." - Ramesh Balsekar